20140330

PETIÇÃO

Petição “Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente”
Para: Sua Excelência a Presidente da Assembleia da República
Hoje, há um consenso amplo na sociedade que reconhece que Portugal enfrenta uma crise sem precedentes na sua história recente que combina dimensões económicas, sociais e financeiras, tendo também importantes manifestações políticas que podem abalar os alicerces do regime democrático.

Nenhuma estratégia de combate à crise pode ter êxito se não conciliar a resposta à questão da divida com a efectivação de um robusto processo de crescimento económico e de emprego num quadro de coesão e de solidariedade nacional. A reestruturação honrada e responsável da divida no âmbito da União Económica e Monetária a que pertencemos é condição sine qua non para o alcance desses objectivos, tendo igualmente em atenção a necessidade de prosseguir as melhores práticas de rigorosa gestão orçamental no respeito das normas constitucionais. Sem crescimento económico sustentável, a dívida actual é insustentável.

Após a entrada em funções do novo Parlamento Europeu e da nova Comissão Europeia, deverá estar na agenda europeia o início de negociações de um acordo de amortização da divida pública excessiva de vários Estados membros. Portugal precisa de identificar as condições a que deve obedecer um processo eficaz de reestruturação da divida nesse âmbito e deve fazê-lo no respeito pelos processos inscritos no quadro institucional europeu. No entendimento dos signatários essas condições devem visar:

- o abaixamento significativo da taxa média de juro do stock da dívida;

- extensão de maturidades da divida para quarenta ou mais anos;

- a reestruturação, pelo menos, de divida acima dos 60% do PIB, tendo na base a divida oficial.

Os mecanismos de reestruturação devem instituir processos necessários à recuperação das economias afectadas pela austeridade e recessão, tendo em atenção a sua capacidade de pagamento em harmonia com o favorecimento do crescimento económico e do emprego num contexto de coesão nacional.

A Assembleia da República é o espaço institucional por excelência para desencadear um debate democrático alargado sobre as condições gerais a que deve obedecer a eficaz reestruturação da dívida pública. Uma deliberação da Assembleia da República sobre tais condições genéricas não será um factor de fragilidade. Pelo contrário, reforçará a legitimidade das instituições democráticas, e ao mesmo tempo, fortalecerá a posição negocial do Estado português junto das instâncias europeias.

Neste sentido, e nos termos da Lei que regula o direito de petição, os peticionários pedem à Assembleia da República que aprove uma resolução recomendando ao governo o desenvolvimento de um processo preparatório tendente à reestruturação honrada e responsável da dívida, com os fundamentos constantes do manifesto: “Preparar a Reestruturação da Divida para Crescer Sustentadamente” que se anexa. Mais pedem à Assembleia da República que desencadeie um processo parlamentar de audição pública de personalidades relevantes para o objectivo em causa.



Um breve resumo de um País POBRE que pensa e gasta como se fosse RICO

O país não é virgem em eventos de bancarrota, ou de eminência dela. A história deste tipo de episódios de default externo, de incumprimento das obrigações da dívida soberana do país, começou oficialmente em 1560 durante a regência da viúva de D. João III, segundo o estudo de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff a 800 anos de loucuras financeiras no mundo.
Aquela investigadora da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, catalogou 5 episódios na história de Portugal, a maioria já no século XIX. Na realidade, oficialmente, poderemos contabilizar oito: 1560; 1605; 1834; 1837; 1840; 1846; 1852; e 1892.
A parte final da dinastia de Bragança acumularia, entre 1828 e 1892, mais de duas décadas de situações de default, um recorde na história económica portuguesa. No entanto, o campeão das bancarrotas foi Espanha, com 12 episódios, concentrados na dinastia filipina e depois durante o século XIX, ao todo, quase 60 anos de tormenta.
Apesar de oficialmente não estarem catalogados como bancarrotas, o período de hiperinflação no reinado do fundador da dinastia de Aviz no final do século XIV e o aviso de bancarrota em 1544 através da feitoria portuguesa em Antuérpia ainda no reinado de D. João III são outros dois momentos incontornáveis deste regresso ao passado.

1384-1422: Mestre de Aviz: o campeão da hiperinflação
Foi o período por excelência em que o país esteve inundado de "moeda desacreditada", como lhe chamou o economista J. Lúcio de Azevedo, nos anos 1920, na sua obra "Épocas de Portugal Económico - Esboços de História". Para manter o apoio de uma parte da fidalguia e da arraia miúda, formada por "chamorros" e por bandos de "ventres ao sol", contra a invasão castelhana, o Mestre de Aviz dedicou-se ao ofício da manipulação da moeda até ao inimaginável. Dizia o cronista Fernão Lopes: "E como o Mestre teve feita moeda, ordenou logo seus mantimentos aos fidalgos e oficiais de sua casa". Um real de prata valia dezanove vezes menos do que no tempo do reinado do seu meio-irmão D. Fernando, o último monarca da dinastia afonsina, e a inflação era galopante, tendo os preços quintuplicado.
A bancarrota seria certa se D. João I e os seus conselheiros não tivessem decidido, desde as reuniões em Torres Vedras em 1412, desencadear um processo de projeção externa cuja primeira operação viria a ser a conquista de Ceuta, em Marrocos, em 1415. Seguiu-se depois o intensificar do corso atlântico e finalmente a expansão marítima, do que viria a ficar conhecido como Descobrimentos.
Um balanço daquela época de economia de guerra e de crise até 1422 pode ser resumido neste ex libris: a desvalorização do marco de prata foi da ordem dos 100.000% face ao valor que tinha em 1383.

1544: A quase bancarrota na Flandres
Foi o primeiro aviso. As dívidas na feitoria de Antuérpia, na Flandres, somavam três milhões de cruzados. Mas D. João III salvou-se de ser o primeiro monarca português a decretar a falência do Estado. "Renovaram-se letras, com adição de juros, na ocasião das feiras, e a fascinação da pimenta conferia-lhes um prestígio, que não tinham as obrigações dos reis de Espanha ou França, de crédito muito abalado nos meios capitalistas", ironiza Lúcio de Azevedo. Em suma, os mercados financeiros europeus deram o benefício da dúvida pois o comércio das especiarias que vinha de além-mar era, ainda, atraente. Entretanto, a feitoria na Flandres seria fechada em 1549 e o rei morreria em 1557. A prenda envenenada acabaria por ficar para a viúva, Catarina da Áustria.

1560: A herança que a viúva recebeu: o primeiro default oficial
A viúva era tia de Felipe II de Espanha e mal sabia o que herdara do marido. Durante a regência caiu-lhe em cima a bomba da dívida astronómica. O neto Sebastião ainda andava de fraldas e coube-lhe a ela gerir a emergência da decadência do grande império manuelino. Em 1559 ainda foi possível levantar 900 mil cruzados como adiantamento na Flandres o que acalmou os credores da dívida portuguesa.
Mas no ano seguinte já não havia volta a dar. Catarina resolveu "imitar" o sobrinho, Felipe II, que inaugurara em 1557, no país vizinho, a moda das bancarrotas ibéricas. O alvará de 2 de fevereiro de 1560 dá corpo ao primeiro default oficial português. Mandava cessar o pagamento de juros a cargo da Casa da Índia alegando que "são perigosos para a consciência de quem os faz". E proibia a colocação de novos empréstimos. A regente afirma o propósito de reembolsar integralmente todos os credores, "logo que as circunstâncias o permitam", ironiza Lúcio de Azevedo. Genoveses e alemães - os dois grupos que mais financiaram a anterior expansão portuguesa - saem de mãos quase a abanar. A viúva deu-lhes uns "padrões de juros" por conta dos créditos. Que se revelariam "papéis aflitos", em suma, um calote.
Na ponta final da dinastia de Aviz, nos reinados de D. Sebastião e do cardeal Henrique, as obrigações do governo português já se negociavam a 45 e até a 40% do seu valor facial. Um "corte de cabelo" (hair cut, na linguagem financeira de hoje) muito substancial. Pela época, as grandes casas financeiras alemãs e italianas que estiveram envolvidas no que parecia ser um excelentíssimo negócio, o da pimenta, foram varridas por uma vaga de falências. Fechava-se um ciclo.

1605: o default com sabor castelhano
O motor da venda de títulos pela Fazenda Real - que se tornara uma rotina desde os tempos de D. Manuel - começou a gripar pelos anos de 1600.
Como conta o economista J. Lúcio de Azevedo, a pimenta deixara de ser monopólio dos portugueses com a desagregação do império português no período filipino de monarquia dual entre Espanha e Portugal e sobretudo depois do início da ofensiva dos holandeses no Índico. Os portugueses sofreriam uma derrota estratégica em dezembro de 1601 na batalha naval de Bantam - um porto na ilha indonésia de Java - e o domínio da região das Ilhas Especiarias - as Molucas - passou de mãos. Em 1605 os holandeses conquistram Ambom e Tidore ao controlo português.
O resultado via-se em Lisboa. "Acumulava-se de um ano para o outro na Casa da Índia. Holandeses e ingleses, que antes a vinham buscar a Lisboa, importavam-na, agora, diretamente dos lugares de produção", refere o historiador económico.
Outra desgraça se abateu sobre Lisboa que tirava proveito da monarquia dual. Com o declínio, desde 1596, do ciclo da prata que vinha das minas do Cerro Rico de Potosi (hoje, na Bolívia) e de Guanajuato  (México) saqueadas pelos espanhóis - o motor que alimentou o projeto imperial dos Filipes - a Casa da Moeda, em Lisboa, que amoedava muito desse tráfico, começou a ficar sem alimento.
É, neste contexto, que ocorre a bancarrota de 1605 - uma peripécia menos conhecida e raramente referida.
Ainda que os juros que deveriam ser pagos pela Casa da Índia aos credores tivessem sido abolidos pelo cardeal-rei Henrique, continuavam a ser obrigações do Estado português. Filipe III de Espanha - Filipe II, em Portugal - tomou, então, uma medida radical.
Num alvará datado de 30 de setembro de 1605, Filipe mandou suspender em definitivo os juros imputados à Casa da Índia. Os credores eram convidados "de sua vontade e sem lhes fazer força" - o já célebre método de envolvimento "voluntário", como hoje também se usa no "envolvimento do sector privado" na renegociação da dívida grega - a uma operação financeira brilhantemente idealizada por Filipe e os seus profissionais da Fazenda Real.
Para ficarem com os direitos reconhecidos - ainda que apenas com uma promessa vaga de pagamento -, os credores tinham de desembolsar para a Fazenda Real uma "propina" equivalente a metade do crédito inicial. Quem não o fizesse, perdia o direito de receber um certificado e uns papéis que substituíam os anteriores títulos. "A extorsão era integral e francamente declarada", conclui Lúcio de Azevedo.
Como não eram parvos, a maioria dos credores preferiu perder de todo os direitos, do que encher os cofres de Filipe. No balanço que foi feito desta bancarrota em 1607, apurou-se que "o caso permanecia insoluto", diz Lúcio de Azevedo. Para mais, havia, então, uma confusão total na escrita da Casa da Índia.

1828-1834: A fatura do "miguelismo"
Com o enterro de D. João VI em 1826, abre-se uma crise de sucessão que desaguou numa guerra civil entre liberais constitucionalistas e conservadores miguelistas que se agrupavam em torno da viúva Carlota Joaquina e do filho Miguel Maria.
O apoio geopolítico vinha do chanceler austríaco Metternich, então o chefe de uma Santa Aliança europeia, uma coligação fundada pela Prússia, Rússia e Áustria contra o liberalismo, e que teria a oposição dos ingleses e dos americanos. Miguel governaria entre 1828 e 1834 e precisou de um empréstimo, que ficou conhecido nos meios financeiros internacionais como "empréstimo de Dom Miguel".
No meio da guerra civil, Miguel negociou em 1832 um empréstimo de 40 milhões de francos junto dos banqueiros parisienses Outrequin & Jauge, com um juro de 5% com uma maturidade generosa a 32 anos. Apesar dos riscos envolvidos, os banqueiros franceses conseguiram que estes títulos fossem admitidos para cotação na Bolsa de Paris, onde, aliás, se mantiveram até 1837. "Os credores internacionais que emprestaram ao governo de D. Miguel sabiam que estavam a apostar num governo com a possibilidade de cair. Sabiam que corriam um grande risco. Foi um empréstimo político", sublinha Pedro Lains, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e editor da "História Económica de Portugal".
Os juros e a amortização ainda foram pagas até setembro de 1833. Depois, derrotado Miguel, o empréstimo viria a ser renegado pelos liberais e depois pelo governo de Dona Maria da Glória, sobrinha de Miguel. O empréstimo não foi considerado legítimo. Eram contas do tio que, entretanto, fugira para a Alemanha. Que o fossem cobrar à Baviera, onde ele morreria.
O assunto passou, assim, a contencioso. Os credores franceses organizaram-se em comité em 1840 e várias manobras diplomáticas continuaram pelas décadas seguintes a ver se conseguiam reaver pelo menos 2,5 milhões de francos, cujos papéis comprovativos consta que se encontravam no Tesouro em Lisboa.

1837 a 1852: O calvário de incumprimentos no reinado de Maria da Glória
O reinado da filha de D. Pedro IV (o imperador Pedro I do Brasil), a jovem Maria da Glória, coroada D. Maria II (1837-1853), juntou vários eventos de suspensão de pagamentos, o primeiro logo em 1837, que geraram o período mais longo de defaults na história portuguesa.
Depois da suspensão de 1837, sucederam-se mais duas, no tempo do "cabralismo" (um "ismo" derivado de António Bernardo da Costa Cabral, que foi presidente do Ministério, ou seja primeiro-ministro), em 1840 e 1846. Depois em 1852 decreta-se a consolidação da dívida interna e externa, o que gerou a revolta sobretudo dos credores ingleses, até que se celebrou um convénio em dezembro de 1855, que no dizer do historiador Rui Pedro Esteves, da Universidade de Oxford, surpreenderia hoje pelos credores "terem aceitado a consolidação em troca de contrapartidas bastante modestas".
Estas bancarrotas ocorreram num período de quase 20 anos de golpes e contra-golpes e de um movimento popular, a Revolta da Patuleia, mais conhecida por Maria da Fonte.
A situação só acalmou, de facto, com a regência do viúvo de Maria da Glória, o rei-consorte Fernando Augusto, da poderosa casa europeia de Saxe-Coburgo e Gota. O país adota o padrão ouro que permitia estabelecer uma relação com a libra esterlina, a moeda chave do comércio internacional e das relações comerciais com Portugal, e chega a acordo em Londres nos finais de 1855, como já se referiu, com o Council of Portuguese Bondholders (detentores de títulos portugueses), liderado pelo banqueiro Richard Thornton.
O país reorienta, entretanto, a colonização para África e os historiadores falam de quarenta anos de algum crescimento na economia até que a crise financeira mundial de 1890 aparece como um "cisne negro".

1892-1902: A longa re-estruturação da dívida soberana no final da Monarquia
Este acontecimento do final da monarquia é o mais estudado pelos historiadores portugueses. O vendaval foi provocado pela conjugação de vários fatores. Não por um em particular. "Sem a presença se não de todos, pelo menos da maioria, a crise não teria ocorrido", refere Nuno Valério, professor do Departamento de Ciências Sociais do Instituto Superior de Economia e Gestão, de Lisboa.
Nada que a famosa revista inglesa The Economist não andasse a avisar desde 1880. "Os mercados monetários da Europa estão a ficar cansados, e não sem razão, da constante solicitação por Portugal de novos empréstimos", escrevia em 27/11/1880. Menos de cinco anos depois: "No próprio interesse de Portugal era preferível que as suas facilidades de endividamento fossem, agora, restringidas" (3/1/1885).
Cinco anos mais tarde, depois de mais este aviso do The Economist, fornava-se uma tempestade perfeita. Rebenta uma crise financeira mundial, com o epicentro na City londrina, iniciada em 1890 com a falência do banco Baring Brothers que contagiaria Portugal por vários canais, incluindo via Brasil. O próprio Barings era, também, o principal parceiro do governo português na City e, na aflição, teve de reembolsar-se em 1 milhão de libras em Lisboa, o que levou a uma redução significativa das reservas em ouro do Banco de Portugal. Uma dinâmica de dívida pública crescente e de expansão de crédito permitira, nos anos de ouro anteriores, a criação de um ecossistema de investimentos em infraestruturas onde os investidores nacionais e internacionais se viriam a envolver com as garantias do Estado. Esta estratégia de financeirização já havia levado a que Portugal fosse considerado em 1888 no Fenn's Compendium, uma espécie de bíblia da especulação financeira londrina, como um país de alto risco.
Com a contração dos mercados de capitais internacionais, durante a crise financeira mundial de 1890-1893, o ecossistema financista português desabou. Juntou-se o esboroamento do padrão-ouro que havia sido adotado em 1854. Finalmente, qual cereja em cima do bolo, viveu-se uma crise política aguda que misturaria o efeito dos problemas geopolíticos em África - com o ultimatum a Lisboa em janeiro de 1890 sobre o famoso mapa cor-de-rosa por parte da superpotência da altura, a Grã-Bretanha - com a ascensão do movimento republicano (revolta no Porto em 31 de janeiro de 1891) e das lutas intestinas dentro dos partidos monárquicos.
A balança de pagamentos acaba por ter um défice gigante em 1891, depois de um período em que acumulara excedentes. A dívida total (externa e interna) que andava pelos 24 milhões de libras em 1858 disparou para 127 mil milhões de libras. Apesar da pobreza do país, era a 2ª maior da Europa per capita, depois da França.
A revista inglesa, de novo, escrevia o epitáfio: "Tem sido evidente de há bastante tempo que o país estava a viver acima dos seus meios. Mais tarde ou mais cedo era inevitável que acabasse em bancarrota - e foi à bancarrota  que Portugal agora chegou" (6/2/1892). E acrescentava, com bom senso: "É inevitável uma redução significativa do encargo com a dívida, que absorve quase metade da receita total. Os detentores da dívida portuguesa têm de consentir num abatimento dos seus direitos, por força das circunstâncias".
Os ingleses aconselhavam mesmo: "Se Portugal abordar os seus credores leal e francamente nestas linhas ser-lhe-á relativamente fácil efetuar um acordo razoável com eles".
No entanto, a solução acabaria por ser imposta por decreto. Os credores externos não aceitaram o curso forçado do papel-moeda emitido pelo Banco de Portugal. O default parcial acabaria por acontecer em junho de 1892. O governo presidido por José Dias Ferreira, que acumulou também a pasta das Finanças depois da saída do ministro Oliveira Martins, teve de suspender parcialmente os encargos altos da dívida. Em Paris, os credores ficaram com os cabelos em pé: as taxas de juro haviam sido reduzidas em 66%. O objetivo último acabaria por ser a reestruturação e reescalonamento dos pagamentos.
 "Provavelmente não se deveria ter começado por aí, mas em 1892 já era tarde de mais para o evitar", diz-nos Rui Pedro Esteves. Não havia alternativa: "Para manter os pagamentos externos, o governo teria de obrigar a economia a uma contração maior do que o suportável, quer em termos económicos como sociais. Recorde-se que aqueles anos foram politicamente muito agitados", sublinha-nos, por seu lado, Pedro Lains. "Criou-se uma situação provisória com pagamentos baixos para impor a negociação que duraria dez anos. No final, chegou-se a uma situação com pagamentos médios. Julgava-se que no final do convénio de 1902 com os credores se obteriam novos empréstimos - mas isso não aconteceu", acrescenta Nuno Valério. A dívida seria convertida num novo empréstimo amortizável a 99 anos, até 2001.
O efeito de afastamento dos mercados financeiros internacionais não seria muito prejudicial para a economia real, que dependia sobretudo do comércio com o Brasil, as colónias em África e o Reino Unido. Os principais credores financeiros da dívida estavam em Paris e em Berlim. A economia portuguesa acabaria por recuperar "relativamente bem", sustentada na desvalorização cambial e num aumento significativo do protecionismo alfandegário.
A "dieta" a que se viu obrigado o Estado, em virtude do afastamento forçado dos mercados de financiamento internacionais, acabaria por reduzir a dívida pública de mais de 80% do produto interno bruto para cerca de 60% em uma década. Este ajustamento foi realizado "em condições que evitaram um regime de protetorado de instâncias externas", conclui Luís Aguiar Santos, editor na Santillana, que, também, estudou este período em que o governo português dispôs de alguma margem de manobra para resistir às pressões dos mercados financeiros internacionais.


Mais recentemente:

Em 1977, quando Ramalho Eanes era Presidente da República e Mário Soares era primeiro-ministro do primeiro Governo Constitucional. Então, com uma taxa de desemprego superior a sete por cento, bens racionados, inflação crescente, conflitualidade política e o escudo desvalorizado, o FMI interveio pela primeira vez desde que Portugal aderiu à instituição, em 1960. Na bagagem trouxe "pacotes" que se traduziram em redução de salários e subida de impostos, entre outras medidas.

Em 1983, Mário Soares era novamente primeiro-ministro, desta vez à frente do governo do Bloco Central, com o PPD-PSD de Mota Pinto. Com o desemprego acima dos onze por cento e uma dívida externa galopante devido à subida das taxas de juro internacionais, o FMI emprestou 750 milhões de dólares e novamente impôs cortes nos salários da Função Pública, aumentos de preços, travão ao investimento público e cortes nos subsídios de Natal, entre outras medidas. O primeiro-ministro anunciou hoje que o Governo português fez um pedido de assistência financeira à Comissão Europeia, decisão que adiantou ter sido comunicada ao Presidente da República.

Em 2011 apesar de todos os sinais que já vinham desde o início da década, e dos avisos do homem do leme, "Pai do Monstro", segundo alguém muito reputado e que na altura o serviu, a demência despesista continuou até que o inevitável voltou a acontecer.

Apenas uma correção a uma data referida relativamente à crise de 1892-1902 
!!! os ULTIMOS JUROS desse pacote de AJUDA ao Estado Português foram pagos em 2013 !!!
Razão tinha GALBA, no século III antes do JC